Considero que o paradigma clássico da Ciência teve como um dos marcos importante o Discurso sobre o Método de René Descartes, principalmente em termos de sistematização do que é o método científico como hoje o conhecemos.
De acordo com Descartes o método [científico] é baseado em quatro preceitos:
“O primeiro era o de nunca aceitar algo como verdadeiro que eu não conhecesse claramente como tal...”, ou seja, introduz o conceito de verificação.
“O segundo, o de repartir cada uma das dificuldades que eu analisasse em tantas parcelas quantas fossem possíveis e necessárias a fim de solucioná-las” A compartimentalização e redução do problema em menores partes é característica do método que depois se utiliza da inferência, lógica e dedução para a construção de conhecimentos mais complexos, passiveis de comprovação. Esta última parte Descartes define no terceiro preceito, “o de conduzir por ordem de meus pensamentos, iniciando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para elevar-me, pouco a pouco, como galgando degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e presumindo até mesmo a ordem entre os que não precedem naturalmente uns aos outros.”
O último preceito de Descartes é “o de efetuar em toda parte relações metódicas tão completas e revisões tão gerais nas quais eu tivesse a certeza de nada omitir”, o autor introduz o conceito das relações, padrões, leis de caráter generalista que caracteriza o método científico como o conhecemos hoje.
Da natureza hipotético-dedutiva de Descartes e da sua crença na necessidade da desconstrução do velho para a construção do novo, se baseia muito da filosofia da ciência clássica até hoje. O método busca estabelecer relações, leis, regras, padrões a fim de poder-se concluir algo, daí a célebre frase: "Penso, logo existo" (Cogito ergo sum)
Nos finais dos anos 20 do último século, a Física Quântica, foi protagonista do que originou o debate atual de um novo paradigma para a ciência. São famosos os repetidos embates entre Einstein x Bohr em Solvay em 1927 e 1930, representando um dos conflitos ainda atuais destes dois paradigmas. De um lado “Deus não joga dados” de Albert Einstein, e de outro “Einstein, pare de dizer a Deus o que fazer” de Niels Bohr dá o tom do que foi o nascimento deste conflito que afetou a bases do pensamento científico.
Na excelente biografia de Albert Einstein escrita por Walter Isaacson, há alguns trechos que caracterizam este embate. “A discussão dos dois chegou ao cerne fundamental da estrutura do cosmos: haveria uma realidade objetiva que existisse podendo-se ou não observá-la? Existiriam leis que restaurassem a causalidade estrita a fenômenos que pareciam inerentemente aleatórios? Seria tudo predeterminado no universo?”
Einstein conseguir resumir em uma frase este incomodo criado: “A crença num mundo externo independente do sujeito que o observa é à base de toda a ciência natural”, e esta base era justamente aquela que caia por terra com a nova física.
No intrigante livro “Quem somos nós”, três autores, Arntz, Chasse e Vicente, organizam alguns dos cientistas contemporâneos que defendem novas lentes a serem usadas pela comunidade científica. No capítulo intitulado “A mudança de paradigma”, Willian Tieller cientista e professor da Universidade de Stanford resume o problema da seguinte forma: “Não há lugar no (...) paradigma atual para qualquer forma de consciência, intenção, emoção, mente ou espírito. E como nosso trabalho mostra que a consciência pode exercer um efeito concreto sobre a realidade física, isto significa que no fim das contas tem de haver uma mudança de paradigma que abra espaço para a incorporação da consciência; a estrutura do universo precisa ser expandida para além do ponto em que está no presente para que a consciência possa entrar”
O princípio da incerteza (ou o princípio da indeterminação) de Heisenberg estabelece que não é possível obter a um só tempo a medida precisa da velocidade e a da posição de uma partícula. Quanto mais nos focalizamos em uma propriedade, mais a medição da outra se perda na incerteza. Isto cria algumas constatações que estremecessem as bases do pensamento científico clássico, como já outrora percebido por Einstein: O observador interfere na experiência, assim inferimos duas coisas: “Não existe ambiente controlado (técnico)” e “Não existe imparcialidade completa (social)”
Esta nova realidade insere o “livre arbítrio”, a intenção, no centro da discussão científica. De acordo com o livro “Ponto de Mutação” escrito pelo físico Fritjof Capra, estamos defronte da oportunidade da unificação de conflitos seculares como o entre místico/espiritual e ciência.
“Em contraste com a concepção mecanicista cartesiana, a visão do mundo que está surgindo a partir da física moderna pode caracterizar-se por palavras como orgânica, holística e ecológica. Pode ser também denominada sistemática, no sentido da teoria geral dos sistemas. O universo deixa de ser visto como uma máquina, composta de uma infinidade de objetos, para ser descrito como um todo dinâmico, indivisível, cujas partes estão essencialmente inter-relacionadas e só podem ser entendidas como modelos de um processo cósmico”
Alguns trechos interessantes do seu livro mostram o quão profundas foram estas mudanças: “A descoberta do aspecto dual da matéria e do papel fundamental da probabilidade demoliu a noção clássica de objetos sólidos”... “Portanto as partículas subatômicas não são “coisas”, mas interconexões entre “coisas”, por sua vez, são interconexões entre outras “coisas”, e assim por diante”...
Posso concluir que estamos passando nestes últimos cem anos por um processo significativo de ruptura quanto ao paradigma científico. Entre os muitos conflitos identificados nos autores e leituras acima, cito alguns que achei mais relevantes para a reflexão.
Conflitos entre o paradigma clássico e moderno da ciência:
- Imparcial x Parcialidade Explicitada
- Objetiva x Subjetiva
- Exata x Probabilísti ca
- Observador passivo x Observador ativo
- Hermética x Aberta a novos temas
- Determinística x Não linear (quantum)
- Holístico x Compartimentalizado
Nunca tinha pensado nisso, depois da expicação tudo ficou mais claro.
ResponderExcluirÉ interessante verificar a impossibilidade do método científico descrito por Descartes, já que o homem faz parte efetiva do sistema estudado, mesmo não querendo crer nisto.
Que meu orientador do doutorado não leia isto, mas é meio difícil pensar fora da caixa quando somos tão condicionados e, por isso, acho louvável a iniciativa de cientistas em fazer este exforço para criar teorias relacionadas à temas controversos como este. Agora me vem a pergunta.. de onde você tirou a idéia de trabalhar com este tema!?
Engraçado, como mesmo as resenhas de mestrado podem servir como textos para o Blog. rsrrs
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