sábado, 14 de março de 2009

A vida - Roteiros - Parte I

(Encima da ponte, perto de um rio. O sol está se pondo, Artur está sentado na ponte e Duda de pé tacando pedras na água)
Cara, isto faz lembrar quando eu eu era criança. Ficava assim a tôa.
É!
Agora tudo é uma correreia, tem horário pra tudo, chego no escritório, aquela encheção de saco. Telefone tocando. Fora ter que acordar cedo. Você não acha tudo isto uma loucura?
O que?
Isto cara! Este negócio de ficar correndo feito um louco, acordar cedo porque tem que trabalhar!
Não tô te entendendo cara. Pra mim isto é normal!
Como normal, Duda, você não percebe? Cê acha normal acordar cedo todo dia? Pois eu não acho, eu não gosto de acordar cedo.
Pois eu não me incomodo!
Não tô falando disso cara!
Então cê tá falando do que?
De tudo! De tudo isto!
De tudo o que, Artur? Pra mim você falou que acha uma loucura as pessoas terem que acordar cedo.
Duda, não é isto. Tô dizendo, a rotina, cara... Tudo... Você tem que acordar cedo, tem que ter trabalho, tem que comer na hora do almoço. Tem que escovar os dentes
Cara, eu não tô te entendendo, eu não me incomodo de acordar cedo, e eu gosto de trabalhar. E cara, na hora do almoço eu to com fome... e escovar os dentes, Artur.. peraí?
Não tô falando disto, Duda? Tô falando desta pressão...
Que pressão?
Desta pressão, cara, de fazer as coisas. Parece que a gente não faz mais as coisas porque quer, mas porque tem que fazer. Até entendo, na boa, que você gosta de trabalhar, eu também cara, mas não é isto. Eu gosto de trabalhar as vezes, mas não todo santo dia.
Mas a gente não trabalha todo o santo dia
Eu sei cara, mas mesmo assim, é obrigação
Cê pode pedir demissão...
Eu sei, eu sei, não é disto que eu tô falando
Então é o que?
Tô falando do jeito que é tudo, Duda. Eu sei que eu posso pedir demissão, mas até mesmo a demissão Duda, é uma coisa assim, tem que pedir , não dá pra simplesmente sair.
... acho que se você não aparecer mais os caras te demitem..
Cara cê não tá entendendo. Tem este lance da demissão. Porque os caras tem que demitir..
O que cê queria que eles fizessem?
Não, Duda, tô falando, porque que tem que ter demissão, porque eu não paro de ir e os caras param de me esperar. Ou porque que tem que ter os caras? Não precisava dos caras, não precisava de ninguém!
Artur, como não precisava de ninguém?
Sei lá, de repente eu queria fazer uma coisa, eu fazia, depois não tava mais a fim, parava.
E quem iria te pagar assim
Duda, que pagar? Não ia ter pagamento, se eu quisesse comer, eu matava aí uma galinha e pronto, ou comia uma fruta.
Cê pirou cara? Isto é o que se fazia nas cavernas.
Então cara, e porque mudou?
Como assim, porque mudou?
É cara, por que mudou?
Artur, mudou porque a gente não é mais macaco cara, é o progresso.
Progresso, Duda? Ter que fazer tudo assim, na rotina, tudo obrigação. Isto que você chama de progresso?
É cara! Até parece que cê não sabia!
Pra você isto é progresso?
Não sei o que você está tão revoltado cara, até parece que tudo é obrigação.
Claro que é!
Claro que não!
Ah é, então me dá um exemplo!
Um exemplo, ?!?...
Um exemplo cara, nem tudo é obrigação? Ah é? Então quero ver...
Como um exemplo cara, tem milhares de exemplos cara, não tô te entendendo.
Então me fala um , Duda, fala um...
Qualquer um, sei lá, tipo assim, vai dizer que ir no cinema é obrigação.
Mas tem que ir nos horários certos.
Ué, e como você queria que fosse?
Ahh....Cara, eu tô querendo dizer que tudo tem este negócio, horário, tem dia da semana, depois muda o filme, tem que pagar ingresso, tem tudo isto, um monte de coisa, só pra assistir um filme.
E?
Ah, cara, esquece!
É melhor mesmo, que você não tá falando coisa com coisa.
(Silencio)
Só sei que sinto falta de quando era moleque!
(Silencio)
Eu também!

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